A queda dum anjo (1865), romance satírico de Camilo Castelo Branco (1825-1890), já amplamente analisado por Ferro (1966), Quesado (1988) e Santos (1992), pode ser tomado, nas palavras de Buescu (2019), como um diagnóstico de um momento histórico de Portugal. Este artigo propõe a "filosofia do vestuário" como uma chave de leitura para analisar a obra em questão, haja vista não só a reflexão feita no texto sobre esse assunto, mas também a frequência com que o narrador aponta com detalhes as várias mudanças de vestimenta do protagonista. A filosofia do vestuário é uma provável referência a "Sartor Resartus: a vida e as opiniões de Herr Teufelsdröckh em três livros" (1834), de Thomas Carlyle (1795-1881), tratando-se de uma metáfora sobre como o sujeito se apresenta ao mundo externamente. Questiona-se, nesse sentido, como as roupas refletem as normas sociais e a superficialidade da vida, bem como a importância excessiva dada às aparências. Por conseguinte, indicações sobre a vestimenta e seu caráter retórico suscitam reflexões sobre as máscaras e os revestimentos discursivos que permeiam a narrativa. A trajetória de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda é marcada pela sua metamorfose e queda, espelhando um determinado paradigma cultural de oposição entre conservadores e progressistas. Sobreleva-se, no tratamento irônico dado à intriga, uma visão preocupada com a arbitrariedade dos discursos parlamentares, com as dissimulações da vida social e com a artificialidade dos posicionamentos ideológicos. Em suma, A queda dum anjo apresenta uma avaliação cética e pessimista da sociedade de meados do século XIX, assinalando seus problemas, crises e a necessidade de se estar atento às ideias em jogo, no sentido de pensar o destino de Portugal. 

https://doi.org/10.29327/2193714.15.1-9